quarta-feira, 29 de abril de 2009

Voltando a Sangano....

Voltei a Sangano, depois das calemas que, em princípio, se foram até novo equinóceo que as solte. A praia está diferente, pareceu-me maior. A maré, manhãzinha, estava vaza mas mesmo assim o mar, um nadinha espevitado p’ro costume, dançaricava mais abaixo, como quem desceu a bainha da saia ao areal ali espojado. E pela primeira vez consegui atravessar o pregueado miúdo de rochas que costumavam impedir a passagem para a baía mais ao lado, de que até então apenas avistara o redondo azul a bordejar a falésia recortada.

Logo ali a novidade da lagoa, enorme, também ela muito azul a desenhar-se na areia dourada e a enfiar-se entre as arribas. Praia ampla, quase virgem,, de um lado o mar, do outro as arribas, e lá bem encostadinha a lagoa, escondida da marca das pegadas, poucas, que se avistam junto à borda d’água. O fundo é de argila, cinzenta, viçosa vegetação ao redor, é uma espécie de maternidade de peixes que rabioscam fugidios à aproximação de estranhos, no caso gente a enterrarmos os pés no fofo escorregadio da lama.

E logo adiante a surpresa dos pés das falésias enfiados em meias cinzentas com búzios pequenitos esbranquiçados pregados ou espetados. O tempo e a acumulação de sedimento se encarregará de fossilizar o coturno. Para já , parece que estamos a ver um enorme pavilhão a céu aberto onde instalações de artista caprichoso se exibem. Artista que a sabemos ela, mãe-natureza, imprevisível e caprichosa como convém.

Para completar a mostra e pasmar os visitantes aqui e além, pousados na areia, uns pudins, alguns meio escangalhados no desenformar, decorados com umas rosetas de caramelo mais apertado, castanho muito escuro. Digamos que os “pudins”, rochas magmáticas que afloram e o sol esquadraça à supeficie, vão puxando o caramelo à medida que esfriam, formando-se cristais arrebicados, tipo pétalas, que lhes dão aquele aspecto de corolas de rosas empinocadas. E mais se hão-de empinocar e aglomerar por força do tempo, e dar lugar aos maciços das arribas que se alteiam a ver o mar. Falésias altaneiras, encarapinhadas de verde nos cocurutos, de onde a onde carrapitos de araucárias, aos avanços e recuos sobre a praia, ora acinzentadas e reboludas, ora tingidas de amarelos ocres dégradés, laminadas, a lembrar gigantes pasteis folhados .

Como não sabia como me explicar, tão encantada fiquei com o que vi, deu-me para a pastelaria alegórica. É um recurso como outro qualquer. À falta de melhor imagem….


Luanda, 27 Abril 2009

quinta-feira, 23 de abril de 2009

É tempo de calemas....

Viajando de novo pela estrada Luanda-Benguela, que desliza junto à costa, pela primeira vez vi o mar riscado de branco, às tirinhas, e sem aquele aspecto de imenso lençol azul turquesa com pinceladas de verde esmeralda, todo tufadinho, estiraçado até à linha do horizonte. Pelo contrário, mostrava-se de ar enfunado, a deixar adivinhar pouca convivialidade para passeatas descuidadas à beira-mar, banhos e mergulhos. Sua excelência estava de calemas…

Calemas, ondas grandes, as marés-vivas da costa africana, que ocorrem por altura do equinócio, chegaram mais tarde do que o costume, diz quem conhece, e vieram emprestar ao abril-águas-mil efeitos secundários terrivelmente belos e inclementes. Da ilha de Luanda chegou notícia de uma trintena de habitações arrasadas da noite para o dia, sina de musseque, definitivamente, e dos atrevidos avanços praias adentro que arredaram, provisoriamente, os veraneantes de fim de semana. Nas praias da costa, rumo ao sul, o efeito calema já deixou marcas, afectou acesso aos resorts de Sangano, logo em reposição, depenicou o areal, e escabujou-se à roda das cubatas da aldeia dos pescadores dali, mais avisados e prevenidos, afortunadamente. Espero voltar lá, brevemente, e ver com está.

A surpresa aguardava-nos na foz do Kuanza que, segundo entendidos, até final do mês, ou pouco mais, vai mudar completamente de figura. Com efeito, a bela língua de areia que se espraiava entre o oceano e o rio, delicada e fofa como um palito la reine, apresentava-se um tanto desdentada, com entradas por onde galgavam as ondas até lamberem o rio, agora azul marinho em correntezas de meter respeito. Como quem sabe o que aí vem e já se vai preparando. A fazer fé nas previsões, que os movimentos da geo-dinâmica autóctone, surpreendentemente espantosos, não enganam ninguém, a restinga vai desaparecer a brevíssimo trecho, na margem direita vai nascer uma praia, e o rio vai entrar a direito no mar, sem se demorar naquele comprido lagozinho remançoso, mas com forte personalidade, onde nos acocorávamso em amenas cavaqueiras, quais hipopótamos de pequeno porte e grande deleite. A caminhada restinga fora, ora na frescura espumosa do mar, ora no chapinhar cóceguento do rio, desaguava sempre em banhos de caldeira morna, lentos, demorados, relaxantes. Acabou; ou vai acabar. Outro programa de festas há-de vir, que o sítio é de eleição e vai continuar a ser paradeiro de repouso e fruição.

Nas margens os mangais arregaçam mais ainda os esguios troncos, quase tranças, as águias pesqueiras planam altaneiras a mirar a pescaria, e os pescadores amadores, e amantes de pesca grossa, fazem contas ao peixe que está para vir já que, de momento, o que por aqui estagiava se foi em demanda de águas mais serenas, longe das calemas. Plantas, bichos e homens em concertada espera, quando o tino dos homens prevalece, que dos outros não há que temer, a mãe natureza os educou no respeito das tradições e na justeza dos costumes .

Ela, a mais-velha, se respalda em seus jeitos de realeza e, se cultuada a preceito, é magnânima em seus mimos, quanto desmesurada em seus amuos. Da sua raiva, em espasmos de sentida revolta, sabem sobretudo os homens que continuamente a provocam com arrebites de assomos de civilização, cada vez maiores os avanços e as perdas. Avançam, sem olhar a meios, os detentores do chamado progresso civilizacional. Perdem os demais, plantas, bichos e homens. E sobretudo os homens. Os que não navegam na crista da onda do progresso. Os das civilizações ditas atrasadas. Os das sociedades ditas subdesenvolvidas; ou das regiões (países) ditas em desenvolvimento; ou das economias ditas emergentes. Depende do que têm ou do que podem vir a render. E quando rendem, rendem para quem pode, para quem já tem e não para quem precisa, porque é preciso ter para poder cavalgar a onda. Resistir à calema.

As calemas que a tempos se eriçam na costa africana, em espendores de espuma e caprichos de ventania, revolteando areias, (re)talhando margens, expressivos bailados de Kiandas, as deusas dos mares, são aguardadas e celebradas como lhes é devido. Apenas os indígenas vulneráveis as temem, porque as respeitam e guardam reverência à mais-velha, mãe natureza. E a velha sente que os seus ensinamentos se desconjuntam, a terra se desmorona. E estrebucha e braveja. Dá sinal. O planeta, ele, o mais-velho, representa o poder, ela a força, mas ele não pode nada. Está seriamente ameaçado. Todavia, e ainda, ao abrigo das calemas da civilização? Nada o garante. Muito pelo contrário.

Luanda, 22 abril 2009

quarta-feira, 22 de abril de 2009

De Benguela para a Gabela...

O fim de semana prolongado da Páscoa, precedido de um compromisso profissional em Benguela, foi aproveitado para nova incursão naquelas paragens e, no regresso, uma visita à Gabela, a terra dos cafezais que, segundo informação espúria, estariam em período de floração.


As flores já se tinham transformado em pequenos bagos verdes, não imediatamente visíveis aos olhos de quem não conhece o arbusto cafezeiro, de modo que após minuciosa busca lá se percebeu que estávamos em presença de vastas plantações de café, de um e de outro lado da estrada. O mar verde de onde se erguiam imbondeiros, bananeiras, e um nunca mais acabar de troncos, ramos e folhas numa algazarra de passarada, flores garridas e frutos “desconhecidos” – a diversidade não aproveita à ignorância de visitantes bio-analfabetos - era afinal o demandado cafezal. A estrada da Gabela é um espécie de pesponto ziguezagueante na vastidão da paisagem verdejante, espampanante no exagero de tons e viços, espelhada no azul prateado do rio que se esgueira por palmares e lagoas, e onde aqui e ali se arredondam aldeias de cubatas e de adobes. Estas, como as da vila, de casas vermelhas da cor da terra, colmadas ou com telhado de zinco, encarrapitadas nos morros em cascata, assim a lembrar o presépio, humildes na singeleza dos cómodos e dos haveres. Maravilha para quem vê, é um espanto, dureza para quem lá vive, dá que pensar, mas que não se adivinha no vaivém colorido das gentes e na garridice da catraiada. Dir-se-ia que de tão pouco ter esta gente com pouco se contenta, e se entrega em perfeita harmonia ao brilho da luz , apesar do sol inclemente, que se derrama nas cores cálidas da mãe natureza, ela que a todos se impõe e tudo domina. Enfim, a visão romântica do passante, bem acantonado no ar condicionado, que no devaneio da miragem se escusa a pensar nas endemias e apêndice de enfermidades e escassezes que determinam vidas desprotegidas e mortes prematuras. Beleza e ironia….


A meio caminho, paragem nas cachoeiras do Sumbe, imponente espectáculo natural de luz e som, grossas cortinas cantantes de água a esfumear brancura no verde do entorno recortado no céu azul pintalgado de farrapos de nuvens, e o rio segue lesto a reverberar dourados na manhã soalheira. Ali perto uma aldeia, e o formigueiro do mercado de rua , cabanas e casas de pau-a-pique, outras mais de alvenaria, porém esconsas, perene o abandono das gentes que se afadigam no frenesim de acrescentar às vidas minguadas o pão-nosso-de-cada-dia.


Benguela, a cidade das acácias rubras, continua esbelta e mal trajada. Belas vivendas do período colonial, à vista bem restauradas, bordejam amplas avenidas, boas enfiaduras, junto à zona ribeirinha, onde um passeio marítimo a pedir restauro, salvo no pedaço ocupado por restaurantes e esplanadas, tal como os edifícios, os passeios e os jardins de boa parte da cidade reclamam intervenção urgente. E então Benguela será a bela.


Uma volta pela costa, nos arredores da cidade, levam-nos à linda praia da Baía Azul, enfeitada de árvorezitas de rendilhada folhagem, extenso areal perlado de conchas e pequenos búzios onde um mar canelado, esticadinho, azul e verde desenha bicos de espuma branca. Tudo é luz, cor e serenidade apenas agitada pelo pipiar dos pássaros em revoada. Adiante, picada fora na vastidão do festival de verdes da paisagem, assoma-se à aldeia, paupérrima, e porto de pesca da Caota, com destino à Caotinha, pequeno promontório debruçado sobre uma extensão de mar de crépon azul e esmeraldado a perder de vista. E a vista perde-se em deleites de lavar-olhos-e-enxaguar-alma. Num repente, enxameiam os meninos da aldeia dos pescadores, olhinhos fosforescentes na lengalenga da pedinchice suscitada pela presença de estranhos, estrangeiros, entretém de graúdos e pequenada num lugar onde não acontece nada. Na desvairada beleza da natureza selvagem e dominadora. Só a pobreza das gentes mora aqui.

Luanda, 16 Abril 2009

Chove em Luanda....

Após um mais longo do que o habitual período de estiagem a época das chuvas fez finalmente a sua entrada em Luanda. Eram frequentes os comentários a propósito, em particular na imprensa escrita, advogando que o “feitiço” da seca era uma lotaria, no caso a correr bem para as obras do governo, em particular as do governo provincial de Luanda estariam a ganhar com isso, mas a poder dar para o torto se a chuva não começasse a pingar porque o povo dos muceques, a maioria da população da cidade, já andava inquieto, a sufocar poeira e a esquadrinhar os possíveis autores do tal feitiço.


Feitiços e feiticeiros aqui é coisa séria. Mesmo em plena capital, volta não volta lá vêm ao de cima, fora o que é abafado, notícias de violência sobre crianças ou velhos acusados de feitiçaria. O caso das seitas, descobertas e desmanteladas, que em Luanda mantinham prisioneiras cerca de quarenta crianças “feiticeiras” indignou a opinião pública, e veio pôr a nu uma realidade pressentida, sabida, mas não assumida. Desde então incidentes relacionados com alegadas práticas, e acusações, de feitiçaria têm vindo a ser noticiados. As elevadas taxas de analfabetismo favorecem o campear do obscurantismo e da crendice, as más condições de vida e a penúria completam o ramalhete, independentemente dos matizes da matriz cultural africana, mais telúrica. A explicação mais desempoeirada, porém, ouvi-a de um jovem de muceque, motorista de profissão, pouco escolarizado, mas informado: “ é gente muito ignorante e muito mais oportunista, porque só acusam os que lhes convêm e não se podem defender; é sempre a velha que tem casa própria que é feiticeira, ou a criança que é filho doutro matrimónio”. É o viver no limiar, ou abaixo, da pobreza.
Bom, mas as chuvas lá acabram por cair em Luanda. Chuva grossa, redonda, que chega sem quase aviso e se despenha em fragores dum céu que de repente se põe antracite e o ar fica espesso e esbranquiçado. Num repente muda tudo, só o calor parece aumentar. E num repente há enxurradas inimagináveis, as ruas passam a riachos, alguns caudalosos, muita gente corre à procura abrigo, o banho de encharcar é garantido, outros descalçam-se e fazem-se ao piso, pernas dentro d’água. Os carros, pneus afundados, deslizam a espadeirar água e lama enquanto vão galgando os improvisados rios que arrastam terra e detritos num cenário incendiado de raios e coriscos. Tudo estrondeia, e os eflúvios da terra molhada enrolam-se no ar quente.
Esta é a versão “secos e molhados” romântica de quem assiste, bem protegido, às chuvas em Luanda. Bastam umas horas, poucas, e no apuramento de resultados há inundações, casas e carros danificados, árvores tombadas, vias interrompidas. Nos bairros populares, mais muceque menos muceque, os danos, conhecidos e divulgados, dão conta de habitações destruídas, quando não mortes e afogamentos, ruas (??) intransitáveis, prejuizos elevados, enfim, durante dias os charcos, a lama e o lixo desfeito hão-de tomar conta da vida daquela gente. Até à próxima chuvada. Que por especial desígnio da natureza há-de fazer-se chegada tempos depois. Acho que ninguém quer imaginar o que seria de Luanda se chovesse dias a fio….
Nas províncias, especialmente no centro sul, a chuva cai sem parar, as cidades ficam inundadas e desmoronadas, desaparecem aldeias, rebentam diques e pontes, morre gente, talvez muita (?), chegam à capital ecos da desgraça, há milhares de desalojados, irrompem as campanhas de solidariedade e de recolha de fundos, alimentos e roupa, anunciam-se obras de reconstrução, prometem-se obras de prevenção. São mobilizados homens e máquinas, há gente do governo em penosa digressão, os esforços propalados são de monta.
Há quem cientificamente reclame consequências das alterações climatéricas. O maldito aquecimento global pisa sem dó os mais pobres que, por o serem, são mais vulneráveis. A poluição global descarrega em cima deles as nuvens mais viciadas. A indiferença global deixa-os entregues à sorte, ou ao azar.. A ganância global rouba-lhes os projectos de infra-estrutura e de protecção. A corrupção global atira-lhes com materiais obsoletos de construção e come-lhes o tutano da produção. A terra rica não “enrica” quem lá trabuca e não manduca. A sacrossanta globalização toca a todos, sobretudo no perder, mas uns são mais atreitos do que outros. E que me conste o “ao deus dará” não vem da matriz cultural africana; eles é mais as forças da natureza e dos espíritos, dos ancestrais. Herdaram, os poderosos, com sofreguidão e despudor, a sageza judaico-cristã do “venha-a-nós”. Haja paz!

Luanda, 7 abril 2009.

Março, mês das mulheres....

Em Angola Março é um mês dedicado às mulheres. A 2 de março celebra-se o dia da mulher angolana. A 8, obviamente, celebra-se o dia internacional da mulher, e é feriado nacional.
Se o tema da violência doméstica já era objecto de discussão na opinião pública, este mês tem -se-lhe dedicado uma particular atenção, quer pelo tratamento de matérias específicas na imprensa falada e escrita, quer pelas muitas iniciativas que aqui e ali vão sendo anunciadas.


Ora se há coisa de que já me tinha apercebido nestes curtos meses de estadia é que a sociedade angolana é profundamente falocrática e os tiques de machismo, não o ibérico, topam-se a olho nu. Não precisei de me esmerar muito na observação do que me vai passando por perto, nas conversas com angolanos, inclusive patrícios com dupla nacionalidade aqui radicados há anos, no comportamento do cidadão comum nos espaços públicos, etc. Pressente-se uma larvar , inconsciente?, desvalorização da mulher: elas são sempre objectos de consumo, as mais das vezes dispendiosos e que dão muita canseira, as propaladas várias mulheres a que cada homem tem direito, e de que se ufana, e que, convenhamos, é um estilo diferente do costumeiro uso, ou pretensão de, dos escalpes à cintura que o famoso , e ridículo, macho latino, e derivados, faz, ou ainda vai fazendo porque já não é o que era, as mulheres emancipadas estão-lhe a acabar com a raça, mas voltando atrás, as mulheres de colecção parecem (??!!!) não se dar muito mal com isso. O casamento “de papel passado” é acontecimento social relevante, a atestá-lo os aparatosos cortejos nupciais, com muito espalhafato e muitos figurantes, mas a condição de “mulher de” em regime de acasalamento não se me afigura socialmente desvalorizante. Ser a outra, que até é letra de canção em voga, confere estatuto enquanto mãe dos filhos de. O homem angolano faz questão de se afirmar pelo número de filhos, e não os ter, isso sim, é penalizador em termos sociais. Logo, muitos filhos, várias mulheres, famílias numerosas e alargadas, não aparente conflitualidade entre os diferentes núcleos familiares, tudo isto perpassa aos olhos de quem observa sem quaisquer instrumentos de análise mais fina. É o que parece ser. E empiricamente se atribui a uma matriz cultural africana e, em Angola, também às consequências da guerra, elevado número de homens mortos, excedente de mulheres com fraca inserção no mercado de trabalho, economicamente dependentes, que assumem sem constrangimento o seu papel de reprodutoras a troco de alguma estabilidade, e reconhecimento, social. Dependendo do grupo social a que pertencem porque, numa sociedade estratificada como a angolana, na base da pirâmide as famílias alargadas assentam cada vez mais em núcleos monoparentais. São as mulheres que sustentam os filhos, os netos, os pais desapareceram ou pura e simplesmente abandonaram o lar; ou então decidiram não reconhecer a paternidade e não pagar pensão de alimentos. Para além de que as gravidezes precoces continuam a ser flagelo social. Meninas com vidas interrompidas, que abandonam os estudos, e cujo destino mais provável é a “zunga”, assim chamada a venda ambulante, e a reprodução incessante do ciclo de pobreza: a zungueira, ou quitandeira, está condenada a uma vida dura, levanta-se antes da madrugada, carrega pesos impensáveis, percorre as ruas da cidade até ao anoitecer, garante o sustento da casa e dos filhos, e quantas vezes do homem, quando o há, desempregado ou sem vocação para o emprego. É mulher guerreira, sobrevive na selva de asfalto, carrega o filho pequeno às costas, foge da polícia, corre para apanhar o “táxi”, o candongueiro de todas as incertezas e perigos, chega a casa noite dentro, leva pancada, se há homem, e mesmo se não há vai-se perdendo nos sonhos e e nas promessas da vida, e os filhos a aumentar. Ainda esta manhã ouvia numa entrevista de rádio, “zungueira, 23 anos, quatro filhos, o esposo motorista” mas…. não percebi bem, talvez com alergia ao volante… ela levanta-se às 3 horas da manhã, etc., etc., etc.
Neste contexto, e dada a minha mania antropológica de chegar, observar e tentar entender, a actividade das organizações de mulheres despertava-me grande curiosidade, ia lendo e ouvindo a respeito, porém sem qualquer relação de proximidade até que, inesperadamente, me foi oferecido um convite para participar numa iniciativa da OMA, organização das mulheres angolanas, do MPLA, comemorativa do dia Internacional da Mulher. Tratava-se de um almoço/convívio algures numa esplanada no centro de Luanda. À chegada, a senhora que me convidara mais três amigas e eu, fomos gentilmente recebidas à porta e encaminhadas para a mesa que nos foi destinada. Foi-nos indagada a nacionalidade. Nas mesas em redor havia já grupos de mulheres em amena cavaqueira, muitas trajando belíssimos estampados tradicionais, e os turbantes que não me cansava de mirar e remirar, havia alguns homens, poucos e meio enfiados, sabiam-se não vedetas,, contrariamente ao habitual, e a conversa ia fluindo descontraída. A dada altura vem alguém por entre as mesas, cumprimentando e saudando com um sorriso cúmplice as “camaradas e as irmãs” ali presentes, e indaguei quem era aquela simpática senhora, bonita figura de mulher, fina e elegante numa impecável túnica branca, ao que me responderam ser a “camarada Inga”. E, eis senão quando, fui abordada no sentido de ir ocupar a mesa principal, da secretária-geral da organização, porque portuguesa e porque a “camarada Inga” fazia gosto em juntar representantes de diferentes nacionalidades. Resolvido o embaraço que se me colocou face ao eventual abandono do grupo original, lá me fui juntar ao grupo na “mesa da presidência”, passe o exagero, onde, à excepção de uma senhora vietnamita que não falava outra língua que não a sua, e por isso não falava apenas sorria, a conversa ia rolando, de orelha a orelha, ao abrigo do som que se desprendia do palco. O almoço foi uma soberba mostra da culinária tradicional de diferentes províncias, pratos e sabores. Em rusga se ia à comida, o conjunto, que entretanto reconheci de renome, ia marcando o ritmo, e não demorou muito a, entre comes e intervalos, andar tudo num vai-de-roda, alegria solta, gargalhadas e gingar de corpos numa africana confraternização onde os desconhecidos se conhecem, não há barreiras nem peias de cortesia. Todas as mulheres que ali estavam eram amigas, cúmplices nos requebros da dança, no trautear de cânticos e dialectos, cor, raça, pátria, religião diluidos na magnificência dos trajes tradicionais e nos motejos de ocasião.
A dada altura fui solicitada para falar à imprensa, e de seguida apareceu-me a televisão pública angolana, TPA, e sem cerimónia a conversa escorreu animada, como animada se foi espreguiçando a tarde entre risos e cochichos e passos de dança. Um compromisso anterior fez-me sair da festa antes do fim, que se iria prolongar noite dentro, e as despedidas, só na medida da proximidade incontornável, foram ternurentas. Saí como quem vai-ali-e-vem-já, maravilhada com a mulherista festança.
Uns dias depois haveria de receber novo convite, desta vez directamente da OMA, a que não pude corresponder por imposição de indesejável, porém não desprezível, maleita bacteriana.
Da OMA ficou a promessa de novas oportunidades. A mim espicaçou-se-me a vontade de entrar mais fundo no quotidiano angolano, de espiolhar por dentro esta sociedade que me fascina e intriga. À vista desarmada as contradições são “mais que muitas”, mas….. o que se esconde por detrás deste jeito solto e despreocupado de viver? Que verdades e valores encerra esta cultura? Quero, tenho de, perceber.

Luanda, 24 Março 2009

Pela praia de Sangano

De como ir a banhos tem que se lhe diga foi o que aprendi recentemente, não obstante ir até à praia seja programa mais do que frequente. Desta feita a ida foi a Sangano, uma das tais praias dos ricos, que pelos vistos , melhor dizendo, lido e ouvido, por aqui a divisão de classes traz à tiracolo quinquilharias várias, e dos carros e cilindradas, e dos condomínios mais ou menos fechados, e dos poisos jetessete de ocasião já me tinha dado conta, mas da hierarquia social das praias ainda não. Agora que sei vou ficar muito atenta, e enriquecida, presumo. É bom aprender coisas novas. Ou se calhar não tão novas assim, que dos tiques de burguesias balofas e entediadas, enfadonhas até dizer chega, tenho eu dose. Nem da lusa pátria me olvidei, nem podia mesmo que, abrenúncio, o quisesse, que os patrícios me vão mantendo espertinha, nem estava à espera de vir aqui encontrar o negro charme discreto da burguesia ou inspiração buñueliana quejanda.
Voltando aos pobres e ricos, os primeiros ficam-se por areais mais à mão, fazem-se à estrada mas quedam-se por alturas do museu da escravatura, a não mais de 50 km, a sul, da cidade capital, num pequeno morro que se ergue junto ao mar, na vasta planície de areias e sapal. Os outros dão gás e ar condicionado e vão aldear até Sangano, Cabo Ledo ou mais adiante, cabanas, restaurantes e afins, sempre coisa para mais de hora e meia de viagem, estrada desimpedida e Luanda cento e tal quilómetros atrás. O sufoco da miscigenação classista haverá de acontecer no regresso, e disso tomei primeira nota da leitura de uma expressiva reportagem estampada num jornal, ao entardecer e já entardecidas as gentes e as tolerâncias, pois ele é filas de trânsito infernal, atropelo e desrespeito de tudo quanto é regra, alcoois em desatinos suicidas de condutores mal encartados, sobremaneira jovens e alienados pelos excessos de fim-de-semana-sem-rédeas-ao-sol. Estes são os das praias mais à mão. E diz-se, e diz o jornal, que das outras mais longinhas também se escapam alguns cavaleiros do asfalto a acelerar arrogâncias de classe (nova)rica. Entrementes penam todos quantos se permitiram, mais acima ou mais abaixo, ir espairecer à beira-mar.
Se a paisagem até Sangano, mesmo se já muito vista, nunca deixa de surpreender, a descida para a praia, picada fora, falésia adentro, vai escorregando, travões às quatro rodas, pelo ocre rochoso da ravina, as araucárias enfileiradas a rematar a borda, os tufos de aloé a entremear de verde , dependurados, o mar a crescer em azuis de ondinhas de brincadeira, e lá em baixo a areia, no começo ainda terra e arvorezitas a sombrear os estacionamentos, e logo o areal desafogado, a perder de vista numa sementeira de conchas e búzios . As costumeiras caminhadas à borda-d’água, antes que o sol desamue e se descubra, o mar a cocegar provocações e mergulhos vigiado pelos torneados das ravinas, avermelhadas e altaneiras, encristadas de verdes ralos, aqui e ali rasgadas de cima abaixo por talhos que não chegam a ser caminhos, tal a altura e o declive. Gente, que não os veraneantes e sucedâneos, raramente se avista, embora a raridade de uns negritos recortados no topo, e logo como que por encanto prantados na areia, não deixe de acrescentar o exotismo do sítio.
Tirando os aldeamentos turísicos e suas acomodações, a aldeia de pescadores tem lugar preponderante na praia de Sangano. As cubatas colmadas de pau-a-pique, escuras antracite, alinham-se num curioso axadrezado de estendais de roupa e de seca de peixe, estes feitos de troncos em bancada, cobertos de peixes escalados arrumadinhos por tamanhos e feitios, no chão de terra batida. Os barcos de madeira, ora postos na areia, ora saídos para a faina, e em chegados o peixe vende-se logo ali e não chega para as encomendas. Não importa se é sábado ou domingo, na aldeia não se topam molezas de fim de semana, mesmo que as haja, e haverá. Os homens e as mulheres aparecem ocupados nas suas lides, elas na garridice dos panos e dos turbantes. A catraiada, putos semi-nus, espalha-se em cachos de algazarra e cabriolices na areia.
À medida que a manhã avança cresce o número de pessoas nas toalhas coloridas e na água. Nas esplanadas , terra batida sombreada por toldos ajaezados consoante o aparente improviso da decoração, pois percebe-se a intenção de parecer que tudo é natureza, as mesas e bancos corridos de madeira vão ganhando movimento e em breve quem não se precaveu com a necessária reserva corre o risco de ter de ir procurar almoço a outra parte. Da excelência dos peixes e mariscos que por aqui se comem não há muito a acrescentar, a não ser que desfiasse os petiscos e os sabores de fazer água na boca, o serviço, negro, é sempre acolhedor e simpático, duma lentidão ronronante e peripécias engraçadas, o linguado pedido chega à mesa travestido de lagosta, há que dizer “foi engano, não é para aqui”, e esperar mais um bocadito, debicando miudezas crustáceas , que a lagosta lá irá aterrar no prato de quem a pediu e o linguado mergulhar no nosso, e não morre ninguém. Faz parte do colorido local.
Como também vai sendo regra o afluxo de “tugas”, os portugueses, numa praia onde o que mais se vê são “pulas”, os brancos. Donde, para além da divisão de classes parece haver diferença de cores…. Será?!! Ora, há coisas muito mais importantes para nos ocupar as mentes.
Precaução ingente é metermo-nos à estrada antes que se faça tarde e o desatino campeie.

Luanda, 20 Janeiro 2009

Barra do Kuanza

De novo na foz do Kuanza…

O caminho, melhor dizendo, a estrada, habitual para a a Barra do Kuanza desagua no lado oposto do rio. Desta vez chegámos lá do lado da margem esquerda, que o mesmo é dizer que houve aventura de picada. Mais difícil ainda porque à ida não se topou logo a dita e então foi-se de zorro sapal adentro a desenhar picada numa patinagem ás quatro rodas, repuxos de lama a cobrir o jipe, e isso era o menos, que a sensação de que se ia atolar numa das guinadas, se não tombar, foi assim a eriçar a pele e a cortar a respiração. Mas valeu a pena, passado o sufoco, claro. Já perto da foz o terreno fez-se duro, já o palmar bordejava o rio que se enroscava azul, calmeirão e curvilíneo até se lançar de encontro ao mar em rumorejos e espalhafatos de ondas na ponta da restinga, largo banco de areia a separar o atlântico esverdeado e revolto das águas azul- cálidas e remançosas do rio.


O jipe atracou no topo do morro de areia e a caminhada, cerca de 5km, foi pela “marginal”, rio à ida e mar à vinda, porque apesar da manhã não ir adiantada as areias escaldavam os pés; o sol aqui não é de cerimónias, ergue-se cedo, pranta-se escancarado, e pronto.


Fora d’água a temperatura rondaria os 30 graus e dentro dela pouco abaixo andaria, embora refrescasse, apesar de tudo. De modo que o passeio foi temperado com banhos e braçadas, os peixes aos pinotes logo ali, quando não a roçagarem-nos, descarados, e ai que susto, o rio logo fundo, e o fundo à vista, o céu azulão cortado pelo vôo altaneiro da águia pesqueira, mergulho certeiro e logo o peixe no bico, a passarada mais miúda em revoadas irrequietas e logo em corridinhas na espuma da água, e o besouro aferroado em zunidos de ameaça, a pique sobre os intrusos, e vai mergulho, e foge e espaneja que a picada, a do bicho, é de respeito. Já pela borda-mar, volutas de espuma branca encarrapitadas nas ondas que se vêm estatelar na areia dourada, onde conchas e búzios de toda a forma e feitio, e peixes enormes inchados em carapaças de escamas dão de comer aos caranguejos.


Para retempêro de coragem e energia, antes do regresso, mais um derradeiro banho no rio, após correria de pés no ar areia fora, de través na restinga, que foi mais um ficar de molho, que nem hipopótamo, a demolhar o corpo e a vontade de dali sair.


Quis o acaso que na volta nos tivesse saído ao caminho a picada, a verdadeira, dura e enxuta, portanto só solavancos, sem patinagem. A estrada até Luanda corre com mar à vista, lá mais em baixo, esticado em rebrilhos de diamante, assim como um imenso manto de crépon azul-lápis-lasúli pincelado de verde-esmeralda. Do outro lado passa a savana, a reverdejar, onde embondeiros, de troncos a morenar e a soltar as jubas verdes, anunciam enfeites, as múcuas ainda só pingentinhos.


Paragem no mercado de artesanato de Benfica, a cerca de 20 km da cidade capital. Desfeito o recato e o des-à-vontade que inspira visto de fora, a frescura que se experimenta por debaixo dos colmos alinhados em toldos de improvisadas tendas em fileirinhas estreitas e sombreadas depressa dispõe à fala com os mestres, assim se tratam os artesãos.Aqui se vendem artefactos africanos sobretudo, embora entre os vendedores, não mestres, haja quem ofereça ásias e chinesices, com o devido respeito porque de artesanato se trata. Mas deambular pelos carreiros de terra por entre chamados e ofertas de desconto, e os olhos a desvairarem na multitude de peças, muitas delas inesperadamente indígenas e exóticas, mas sem fitar demais porque isso obriga logo a fazer oferta, o preço deve ser regateado, faz parte, é uma experiência africanizante que se quer repetir, mau grado a sensação de se entrar num mundo, pequeno mundo, completamente à parte. Fiquei cliente, (in)segura.


Luanda, 17 Dez. 2008

As pedras Negras de Pungo Andongo

A excursão de 4 jipes saiu pelas 6h30 do ponto de encontro combinado, Viana, a cerca de 20km de Luanda, para onde tínhamos arrancado cerca de meia hora antes, e quis o acaso que o trânsito estivesse maneirinho, porque o normal seria levar 1 hora, se não mais, razão por que foi saltar da cama às 5 horinhas, o sol a nascer, e zarpar para juntar ao grupo, que a viagem era para durar, o dia entretanto ia alto e o calor também a subir de tom. Destino da expedição, Pedras Negras de Pungo Andongo, a coisa de 350km de Luanda, rumando a leste, para o interior, província de Malanje, terra de renomadas belezas naturais.
A fita de asfalto, posta de fresco, vai-se esticando, às lombinhas, savana fora rumo ao planalto norte, também chamado de Malanje, e depressa nos há-de sair ao caminho a floresta malanjina. Chemin faisant, província do Kuanza –Norte, árvores, arbustos, acácias muitas, em flor, corolas fulvas a pintalgar os verdes ton-sur-ton, esguias no tronco e a terminar em pompons farfalhudos, assim a lembrar as carreirinhas de bouquets nas floristas . Até à primeira paragem, no Dondo, cidadezinha, passe o eufemismo, simplória e simpática, gente singela , pouca roupa e chinelo no pé, pobreza e dignidade q. b., acocorada à beira do Kuanza que aqui se espreguiça em largueza, e na Lagoa, e o povo da outra banda chega de barco puxado a remo, tudo no maior remanso. Bem ao lado da estrada, na margem do rio, em terreiro amplo e desafogado, ergue-se soberba, aperaltada em missangas de florinhas rosa- forte, a mostrar grandezas, uma árvore imponente, parente de acácia, a dizer que nesta terra a natureza não é dada a mínguas. E Luanda tinha ficado quase 2 horas e 200kms atrás.
De novo a excursão se fez à estrada, o sol a dardejar lampejos, jipes cerrados no ar condicionado, a caminho das Pedras Negras e dos alvores do planalto. Agora vêm ao caminho bosques mais cerrados, mas sempre a lonjura a desvairar-nos os olhos, o céu baixinho e esticado por cima dos montes que lá longe vão emoldurando a paisagem. Montes a perder o ar macho dos tempos do cacimbo, escuros e de rocha à vista, para se travestirem de montanhas trajadas de verdes gaiteiros, umas mais senhoras, lisas e abonadas, outras mais menineiras com puxados de carrapitos nas carapinhas, todas a dar ares de fofas e macias no acolchoado do coberto florestal. E de repente, como quem diz, porque umas tantas horas e mais de 350 kms já eram feitos, e da estrada já se tinha passado para a picada, esta sem grandes asperezas, só o efeito picadora moulinex activado, erguem-se os primeiros avisos das Pedras, rochas de conglomerado gigantes a imitar a tez antracite dos granitos, espetadas a apontar p’ro alto em formas imprevisiveis e atrevidas. A picada desagua na aldeia de Pungo Andongo, lugarejo perdido do mundo, muito aprumadinho na pintura fresca e viva das fachadas dos inesperados edifícios oficiais, e só, pois ele é escola primária + outra com ar de secundária ou afim, posto de polícia, centro médico, sede comuna ou coisa parecida, igrejinha paroquial incluída, e gente, aldeia, kimbo ou quejando, nada; só as ruínas das casinhas de adobes do povoado de antes da guerra. Tudo isto literalmente aninhado no regaço das famosas pedras, as Negras, majestosas, altaneiras, emproadas, matronas de écharpes e pregadeiras verdes sobre o traje escuro, enfileiradas, a olhar-nos d’alto, displicentemente. E a gente embasbacada, a balbuciar espantos, lá se atreve a amarinhar a escarpa para escancarar de pasmo uma vez no topo, que se a subida é de repuxar os bofes, a vista é de cortar a respiração! O sol a pique, de torrar mioleiras, o ar espesso, aveludado, um silêncio de melodia, e nem um pássaro a picar no horizonte imenso, redondo e a bater num céu que mal se percebe onde começa ou acaba, luz e cores contrastadas, terra de ninguém a perder de vista. Só o rio Kuanza se esgueira lá ao longe em curvas voluptuosas que ora aparecem ora se escapam. E nada nem ninguém, nem do pitoresco Pungo há vislumbre, fica esborrachadito num recesso. Só mesmo uns novelinhos de poeira muito esbatidos sinalizam as picadas, que não se percebem, e dão sinal de que há gente nas redondezas. E gente haverá por certo, dispersa, capaz de engolir distâncias como só os africanos sabem, pois Pungo Andongo foi retraçado no mapa; esta aldeia centro de serviços alguém há-de servir.
O regresso foi por N’Dalatando, antiga Salazar, cidade capital da província do Kuanza-Norte, estropiada de guerra, escanzelada, marcas de balas e de destruição escancaradas nos edifícios outrora dignos de registo, o estendal dos telhados de zinco pardacento a dar conta do assentamento do vasto muceque, também ele pardacento, e pobre. Num cafézinho no centro, restaurante ritz na tabuleta, o café era feito fresquinho na ocasião: nescafé em frasco e água quente num termo; na casa de banho, sem porta interior, um balde e um jarrinho para tirar água; ao balcão uma jovem meio atrapalhada e tímida, sorriso franco, simpatia entrançada num caprichoso penteado afro, que na saída a todos desejou boa viagem, e agradeceu a visita. Só mesmo este povo!
Luanda a cerca de 250 kms, estrada asfaltada em serventia, mas o gosto pela picada se alevantou, e esse foi o caminho escolhido, “estraada bôa siim”, assim nos foi dito, a rasgar de canto a floresta do Mayombe, floresta tropical , densa, espécies autóctones de grande porte e beleza, as fitas das lianas a esvoaçarem ao vento nas bordas do carreiro, os raios de sol oblíquos a tracejarem reverberações na poeira revirada em espirais de luz e sombra, como que a psicadelizar a iluminação natural. Rio atravessado a vau, a ponte está em (re)construção, sem contar umas tantas pontes metálicas, militares, mais modestas mas indispensáveis para permitir a travessia, e um grupo de mulheres, corpos negros reluzentes, aí a tomar banho, surpreendidas com a invasão dos excursionistas mas tranquilas, puxaram dos panos assim como quem não quer a coisa, e lá continuaram os ritos da higiene. Gente caminhando picada fora, ora um, ora outro, ora grupos qdo mais próxima alguma sanzala, sempre a saudação, mão no ar, sorriso rasgado, chilrear animado da criançada, que carros, grandes, logo quatro, e gente branca embasbacada era acontecimento pouco visto, deu para perceber. Numa das paragens para fotos, junto a uma aldeia, veio metade do povoado apreciar o espectáculo e os adeuses foram de grande animação.
Da guerra restam marcas, há restos de balas e de outras munições nos sítios mais inesperados. O inimaginável são os tanques, os canhões e demais artilharia pesada na beira de estrada, quase nos quintais, encarrapitados de patas p’ro ar, amolgados que nem brinquedos atirados por criança birrenta. Como inimaginável é a certeza de que estas paragens, estas estradas, estas picadas, estes matos onde estão a renascer aldeias e kimbos foi lavra de minas mortíferas e de má memória. Esta guerra andou por aqui, selvática, cega e impiedosa, até há pouco mais de seis anos. É muito pouco tempo.
Luanda, 2 Dezembro 2008

Lubango, capital da província da Huíla

Desta vez a viagem foi até ao Lubango, cerca de 1000 km a sul de Luanda. Começou às 5h00 de 6ª feira e acabou às 22h00, recheada de peripécias mais irritantes do que divertidas, a começar pela avaria do jipe adiante de Benguela, numa estrada larga e asfaltada de fresco, àquela hora, meio da manhã, com pouco trânsito, e como não havia rede de telemóvel, o recurso foi pedir ajuda a quem passava, e logo uma carrinha com dois angolanos se aprontaram para ajudar, do carro saía fumo e como não tínhamos água eles foram de pronto buscar uma garrafa que levavam para a viagem; tentaram improvisar conserto mas como a coisa era séria sugeriram retorno a Benguela e ajudaram-nos a pedir boleia que foi dada por uma senhora, mais as crianças no carrito apertado, que nos foi levar à porta do escritório da empresa apesar do seu destino ser algures à entrada da cidade. Tudo com mta simpatia, sorrisos e angolana cordialidade. De novo em direcção ao carro imobilizado, mecânico e ferramentas à mistura, constatou-se que era caso p/ reboque e nós tb acabámos rebocados por um funcionário, expatriado, até ao estaleiro mais próximo onde nos seria entregue outra viatura, e pelo caminho o homem foi debitando, entre “buocês”, gajos e pretos, palpites sobre tudo e todos, um maioral. No final da corrida esperava-nos uma carrinha imunda, que de pronto foi mandada enxaguar só p’ro disfarce, aviaram-nos, com prontidão e por iniciativa própria, umas sandes no refeitório, e desejaram-nos umas “boas”(??) seis horas de viagem até ao Lubango, por veredas e (des)picadas, sem rede de telemóvel, através de matas e morros e gente nenhures, apenas alguns kimbos, aldeias impensáveis, no meio do mato, com o sol a fugir perigosamente por detrás das serras, e logo noite. Não vale a pena gastar muita tinta com esta descrição mas o pedacito de asfalto, e luzes, e rede que precederam a entrada na cidade foi maravilha e maravilhosa a vista da praça central, ajardinada, iluminada e enquadrada por belos e conservados edifícios, um espanto que nem Luanda cidade capital, como cá se diz, mais o alívio de confirmar ainda confirmado o quarto no hotel, a preceito, desenfarruscar num banho quente e cair na cama antes de cair no chão tais as tonturas e o cansaço. Resumindo, se a tensão, não o susto.., se pudesse partir em fatias grossas e comer tínhamos chegado ao fim da sessão de estrebuchos e sacões empanturrados e mudos, de tanto desusar a fala, só olhos postos na picada, aqui e agora desviada por causa das obras, e a poeira, e o nevoeiro (!!??), e a trovoada a seguir-nos de longe em repentes de iluminação. Aventura p’ra contar e não p’ra repetir.


O Lubango, já se disse, surpreende pelo aprumo de casas e jardins, muito floridos e com relva, pela pacatez de tráfegos e gentes, e está erguida numa terra, a Huíla, de serras e planalto e belezas sem par. Dia e meio de permanência deu para cheirar, e pasmar!
A fenda da Tundavala, impressionante greta na montanha que se debruça sobre um extenso vale debruado de cordilheiras, serra da Chela, serra da Leba, é um santuário de artes, pintura e escultura, naturais; nem sei se impressiona mais a forma caprichosa e rebuscada das pedras sobrepostas ou se a cor delas. As esculturas são imponentes, a desafiar a imaginação e a lei da gravidade, e em pano de fundo a montanha rasga-se em tons de azul, antracite, ocres e verdes espantosos, as rochas pintalgadas em jeitos de pintura, motivos geométricos, escaqueiradas e espalhadas pelo chão que é de areia fina e branca, impressionante, parece açúcar, com requebros de cetim levemente nacarado. Recolhi algumas pedras de cores e formas ornamentais, apenas algumas cores. E não fora o tino de evitar permanecer demasiado tempo num local isolado, e o tempo tinha parado sem vontade de regresso, só o silêncio do ruído do marulhar do vento, do pipiar dos pássaros, do perpassar de um ar rarefeito e branco, quente e roçagante como só o bafo de áfrica.


As curvas da serra da Leba, a desafiar as leis do equilíbrio e da gravidade, estiram-se a perder de vista, tira de asfalto a emitar serpentina de carnaval, vigiadas por panos de falésia que parecem tapeçarias, as rochas coloridas ocres, antracite e verdes ton-sur-ton “ pintadas “ por mão de artista. Mais uma sessão de deslumbrada pasmaceira, desta vez em sossego porque havia gente por perto, e um custoso despegar.


De novo 400km de picada, e quase sete horas depois Benguela, só que desta vez de dia, o mesmo cansaço de criar bicho conquanto o inesperado da paisagem: sanzalas de cubatas de pau-a-pique, redondas e com tampinha de colmo, espalhadas entre palmeiras nos terreiros muito varridos - a cultura do lixo a montes é efeito de deslocados de guerra, só pode ser… -, crianças descalças e roupas espantalhadas a gritar, e a dizer adeus, à passagem do carro, homens e mulheres, com panos coloridos e toucados de domingo, estrada, picada, fora, e o aceno, e o sorriso de gente que nada tem, ou assim nos parece, que eles podem ter outra ideia, que vive no meio do nada e parece ir de nada p’ra nenhures, e aqui e agora o negóciozito de beira de estrada, estaminés improvisados a chamar a atenção dos viajantes. Na picada – a estrada Benguela-Lubango está em (re)construção - circulam frequentes e desvairados camiões das obras, a levantar cortinas de poeira, e uns camiõezitos de carga que fariam as delícias de qualquer museu de transportes, muito ronceiros e a segurar umas grandes trouxas a esbordar, as cargas , que fazem lembrar gelados de cone a começar a derreter. Só visto.


Os bosques de acácias que anunciam a chegada a Benguela, a cidade das acácias rubras, mesclados de verde, ocre e magenta , pintam as encostas das serras já com os cocurutos a encarapinhar de vegetação, que a época das chuvas está a começar e já se nota na cobertura dos montes, assim como já estão a aparecer os rios que desaparecem no cacimbo.
Já em Benguela, numa bela esplanada à beira mar, praia e passeio marítimo a fervilhar de gente, arrotam uns descoloridos expatriados, barrigas e bigodes farfalhudos, senhores de boçalidades que só o portugués das berças consegue, estiraçados nas cadeiras a ver passar os pretos, e as pretas, que dos pretos que os servem à mesa devem entender o trato e a dignidade do porte como coisa de escravo submisso; felizmente estavam bem afastados, foi só vê-los, não ouvi-los. Mas entretanto tivemos direito a ouvir uma senhora, na casa dos 30-40, a idade mais frequente dos portugueses que cá trabalham, quadro de empresa portuguesa, a dar conta da ida frustrada, e frustrante, à praia da Caotinha, lugar de rara beleza no meio do capim, e da picada que atravessa uma pequena aldeia - sanzala de cubatas - de talvez pescadores, porque encontrou o sítio cheio de gente, “ eles resolveram ir todos p’ra praia, logo aquela”, montaram merenda e bailarico, e nem se podia entrar na água “porque se ia apanhar com as focas em cima”; as focas são os pretos, claro, e está bom de ver que a pretalhada não tem nada que se ir, a pé ou de excursão ( de candongueiro) para as praias que os jipões dos branquelas elegem como destino de fim de semana. Está certo! E ainda acrescentou uma história de pasmar a respeito de 3 gatos que tinha ali na zona, que visitava volta e meia, e eles quase que amuavam, todos com nome de gente, e a gente meio varada a perguntar “e como sobrevivem esses gatos”, e a resposta despachada “ eles estão lá na aldeia, vão comendo da comida lá deles e durante o dia tb comem umas vagens das árvores, acho que alfarroba, ….”, insiste-se no mal alimentado dos tais gatos, “ que sim, que estariam mal alimentados, mas ..”, mas faz parte, acrescento eu, afinal são pretinhos. E gente, meninos, percebemos no fim da conversa. Incrível! Começo a ter de mudar os meus conceitos de desenvolvimento….
Os 600 km de Benguela a Luanda, estrada fora, passaram ao tom e ao som de kimbos, sanzalas, gentes e feirinhas de beira d’estrada, e dos mtos rebanhos e manadas que se pavoneiam pelos campos, matas e capins, e que têm especial predilecção pelo asfalto: é vê-los a atravessar nas calmas, as vacas pachorentíssimas, quando não especados, a fazer de estátua bem no meio da estrada! Tenho para mim que o asfalto há-de criar confusão nos cascos….
Luanda, 29 set. 2008

Desta vez a viagem foi até ao Lubango, cerca de 1000 km a sul de Luanda. Começou às 5h00 de 6ª feira e acabou às 22h00, recheada de peripécias mais irritantes do que divertidas, a começar pela avaria do jipe adiante de Benguela, numa estrada larga e asfaltada de fresco, àquela hora, meio da manhã, com pouco trânsito, e como não havia rede de telemóvel, o recurso foi pedir ajuda a quem passava, e logo uma carrinha com 2 angolanos se aprontaram para ajudar, do carro saía fumo e como não tínhamos água eles foram de pronto buscar uma garrafa que levavam p/ a viagem; tentaram improvisar conserto mas como a coisa era séria sugeriram retorno a Benguela e ajudaram-nos a pedir boleia que foi dada por 1 senhora, + as crianças no carrito apertado, que nos foi levar à porta do escritório da empresa apesar do seu destino ser algures à entrada da cidade. Tudo com mta simpatia, sorrisos e angolana cordialidade. De novo em direcção ao carro imobilizado, mecânico e ferramentas à mistura, constatou-se que era caso p/ reboque e nós tb acabámos rebocados por um funcionário, expatriado, até ao estaleiro mais próximo onde nos seria entregue outra viatura, e pelo caminho o homem foi debitando, entre “buocês”, gajos e pretos, palpites sobre tudo e todos, um maioral. No final da corrida esperava-nos uma carrinha imunda, que de pronto foi mandada enxaguar só p’ro disfarce, aviaram-nos, com prontidão e por iniciativa própria, umas sandes no refeitório, e desejaram-nos umas “boas”(??) seis horas de viagem até ao Lubango, por veredas e (des)picadas, sem rede de tlmv, através de matas e morros e gente nenhures, apenas alguns kimbos, aldeias impensáveis, no meio do mato, com o sol a fugir perigosa/ por detrás das serras, e logo noite. Não vale a pena gastar mta tinta c/ esta descrição mas o pedacito de asfalto, e luzes, e rede que precederam a entrada na cidade foi maravilha e maravilhosa a vista da praça central, ajardinada, iluminada e enquadrada por belos e conservados edifícios, um espanto que nem Luanda cidade capital, como cá se diz, mais o alívio de confirmar ainda confirmado o quarto no hotel, a preceito, desenfarruscar num banho quente e cair na cama antes de cair no chão tais as tonturas e o cansaço. Resumindo, se a tensão, não o susto.., se pudesse partir em fatias grossas e comer tínhamos chegado ao fim da sessão de estrebuchos e sacões empanturrados e mudos, de tanto desusar a fala, só olhos postos na picada, aqui e agora desviada por causa das obras, e a poeira, e o nevoeiro (!!??), e a trovoada a seguir-nos de longe em repentes de iluminação. Aventura p’ra contar e não p’ra repetir.
O Lubango, já se disse, surpreende pelo aprumo de casas e jardins, mto floridos e com relva, pela pacatez de tráfegos e gentes, e está erguida numa terra, a Huíla, de serras e planalto e belezas sem par. Dia e meio de permanência deu p/ cheirar, e pasmar!
A fenda da Tundavala, impressionante greta na montanha que se debruça sobre um extenso vale debruado de cordilheiras, serra da Chela, serra da Leba, é um santuário de artes, pintura e escultura, naturais; nem sei se impressiona mais a forma caprichosa e rebuscada das pedras sobrepostas ou se a cor delas. As esculturas são imponentes, a desafiar a imaginação e a lei da gravidade, e em pano de fundo a montanha rasga-se em tons de azul, antracite, ocres e verdes espantosos, as rochas pintalgadas erm jeitos de pintura, motivos geométricos, escaqueiradas e espalhadas pelo chão que é de areia fina e branca, impressionante, parece açúcar, com requebros de cetim leve/ nacarado. Recolhi algumas pedras de cores e formas ornamentais, apenas algumas cores. E não fora o tino de evitar permanecer demasiado tempo num local isolado, e o tempo tinha parado sem vontade de regresso, só o silêncio do ruído do marulhar do vento, do pipiar dos pássaros, do perpassar de um ar rarefeito e branco, quente e roçagante como só o bafo de áfrica.
As curvas da serra da Leba, a desafiar as leis do equilíbrio e da gravidade, estiram-se a perder de vista, tira de asfalto a emitar serpentina de carnaval, vigiadas por panos de falésia que parecem tapeçarias, as rochas coloridas ocres, antracite e verdes ton-sur-ton “ pintadas “ por mão de artista. Mais uma sessão de deslumbrada pasmaceira, desta vez em sossego porque havia gente por perto, e um custoso despegar.
De novo 400km de picada, e quase sete horas depois Benguela, só que desta vez de dia, o mesmo cansaço de criar bicho conquanto o inesperado da paisagem: sanzalas de cubatas de pau-a-pique, redondas e com tampinha de colmo, espalhadas entre palmeiras nos terreiros mto varridos - a cultura do lixo a montes é efeito de deslocados de guerra, só pode ser… -, crianças descalças e roupas espantalhadas a gritar, e a dizer adeus, à passagem do carro, homens e mulheres, com panos coloridos e toucados de domingo, estrada, picada, fora, e o aceno, e o sorriso de gente que nada tem, ou assim nos parece, que eles podem ter outra ideia, que vive no meio do nada e parece ir de nada p’ra nenhures, e aqui e agora o negóciozito de beira de estrada, estaminés improvisados a chamar a atençaõ dos viajantes. Na picada – a estrada Benguela-Lubango está em (re)construção - circulam frequentes e desvairados camiões das obras, a levantar cortinas de poeira, e uns c amiõezitos de carga que fariam as delícias de qualquer museu de transportes, mto ronceiros e a segurar umas grandes trouxas a esbordar, as cargas , que fazem lembrar gelados de cone a começar a derreter. Só visto.
Os bosques de acácias que anunciam a chegada a Benguela, a cidade , outrora, das acácias rubras, mesclados de verde, ocre e magenta , pintam as encostas das serras já com os cocurutos a encarapinhar de vegetação, que a época das chuvas está a começar e já se nota na cobertura dos montes, assim como já estão a aparecer os rios que desaparecem no cacimbo.
Já em Benguela, numa bela esplanada à beira mar, praia e passeio marítmo a fervilhar de gente, arrotam uns descoloridos expatriados, barrigas e bigodes farfalhudos, senhores de boçalidades que só o portugués das berças consegue, estiraçados nas cadeiras a ver passar os pretos, e as pretas, que dos pretos que os servem à mesa devem entender o trato e a dignidade do porte como coisa de escravo submisso; feliz/ estavam bem afastados, foi só vê-los, não ouvi-los. Mas entretanto tivemos direito a ouvir uma senhora, na casa dos 30-40, a idade + frequente dos portugueses que cá trabalham, quadro de empresa portuguesa, a dar conta da ida frustrada, e frustrante, à praia da Caotinha, lugar de rara beleza no meio do capim, e da picada que atravessa uma pequena aldeia - sanzala de cubatas - de talvez pescadores, porque encontrou o sítio cheio de gente, “ eles resolveram ir todos p’ra praia, logo aquela”, montaram merenda e bailarico, e nem se podia entrar na água “porque se ia apanhar com as focas em cima”; as focas são os pretos, claro, e está bom de ver que a pretalhada não tem nada que se ir, a pé ou de excursão ( de candongueiro) para as praias que os jipões dos branquelas elegem como destino de fim de semana. Está certo! E ainda acrescentou uma história de pasmar a respeito de 3 gatos que tinha ali na zona, que visitava volta e meia, e eles quase que amuavam, todos com nome de gente, e a gente meio varada a perguntar “e como sobrevivem esses gatos”, e a resposta despachada “ eles estão lá na aldeia, vão comendo da comida lá deles e durante o dia tb comem umas vagens das árvores, acho que alfarroba, ….”, insiste-se no mal alimentado dos tais gatos, “ que sim, que estariam mal alimentados, mas ..”, mas faz parte, acrescento eu, afinal são pretinhos. E gente, meninos, percebemos no fim da conversa. Incrível! Começo a ter de mudar os meus conceitos de desenvolvimento….
Os 600 km de Benguela a Luanda, estrada fora, passaram ao tom e ao som de kimbos, sanzalas, gentes e feirinhas de beira d’estrada, e dos mtos rebanhos e manadas que se pavoneiam pelos campos, matas e capins, e que têm especial predilecção pelo asfalto: é vê-los a atravessar nas calmas, as vacas pachorentíssimas, quando não especados, a fazer de estátua bem no meio da estrada! Tenho para mim que o asfalto há-de criar confusão nos cascos….
Luanda, 29 set. 2008