terça-feira, 3 de março de 2009

Barra do Dande

Aqui de Luanda, 2ª feira, 22 set. 2008


A semana passada decorreu sem novidades. Mantiveram-se os repetidos apagões, os arranques do estrepitoso gerador, as falhas da net - e p'ra melhorar a situação a assinatura doméstica tinha expirado, sem aviso....; " o cliente é que tem de estar atento", disseram-me na loja da movinet; e está certo, cada um deve saber o que tem para pagar e aguardar, calmamente, que o serviço não falhe.... vou aprendendo -, os amuos do meu portátil com o modem caseiro, a exasperante lentidão da e-navegação, etc., etc. Enfim, estou mesmo em fase de instalação. E não sei durante quanto tempo vou continuar... mas continuo a gostar disto. Ainda não caí abaixo do encantamento.

Agora vamos às peripécias mais picantes: sábado houve necessidade de ir ao escritório, em Cacuaco, ao fim da manhã, e eu tomei boleia. Não era suposto haver tráfego, a viagem seria coisa de 20 - 30 minutos, até aproveitava para aceder à net em boas condições; tudo a contento....
Eis senão quando, a meio caminho, dá-se de caras com o trânsito embarrilado; devia ser algum entupimento de ocasião, habitual, nada de novo.... Formam-se filas compactas, fura daqui, esquiva por ali, mas acabámos por ficar completamente parados e entalados entre o murete dos terrenos do musseque , o famoso bairro da Boa-Vista, salvo seja, zona de pobreza extrema e de marginalidades de todo o tipo. E eu ali fiquei, sem me incomodar muito com a inusitada paragem, a observar tudo com muita atenção: as brincadeiras pobres das crianças rotas e rabinas, o rodopiar de gentes morro abaixo morro acima. O muceque estende-se pelos morros que ladeiam a estrada; do outro lado fica o mar e uma espantosa paisagem, a tal boa vista, já se vê... Vão mulheres, raparigas e meninas ligeiras escarpa acima com vasilhas de plástico - bidões e bacias muito coloridos que poderão pesar, disseram-me, mais de 30 quilos, quando cheios!! - à cabeça. Carregam água para todos os consumos. Há pontos de distribuição de água ao longo da estrada, apenas, logo, tem de ser carregada até às "casas", e isso é trabalho de mulher.
Rematando, cerca de 2 horas depois, e entaladinhos no mesmíssimo sítio, abeiraramm-se do carro três putos que começaram a arengar e a gesticular, narizes colados aos vidros. Espantada com o dislate perguntei o que é que lhes estaria a dar e o meu companheiro de infortúnio, calmamente, no mesmo tom em que diria "está a chover lá fora", respondeu " os putos estão a ver o que há dentro do carro para roubar". Pormenor importante: é regra de ouro andar sempre com os carros completamente trancados, vidros, portas, tudo. Nem tive tempo para me espantar porque os putos desataramm a dar murros nos vidros, num ápice apanhavam garrafas do chão e tentavam partir os vidros. O carro não tinha como se mover, resta acelerar, fazer ruído, businar sem parar.... De repente, um indivíduo que passava no outro lado da rua correu em direcção aos putos, furioso, e eles fugiram, sem mais. Ficaram a vigiar de cima, encarrapitados na escarpa. O sujeito ainda se ocupou a fazer com que os carros das filas exteriores se movimentassem o suficiente para que o nosso carro se pudesse "desentalar" e passar para o lado de fora. Feito isto, aceitou os nossos agradecimentos como se não fosse nada, cortês e simpático, e seguiu o seu caminho. Era um simples transeunte de ocasião, muito seguramente habitante do musseque, angolano no trato e no agir, indignado com a tentativa de assalto que estava a acontecer, mesmo ali. Muita gente nos carros próximos se terá dado conta do que se estava a passar, mas ninguém reagiu. E, está bom de ver, demos meia volta e regressámos a casa. Com mais uma aventura para contar.

Domingo, voltámos a sair com amigos locais, como nós expatriados, que é como aqui se designam os imigrantes , rumo à praia. Ir à praia para nós significa descoberta, caminhada, almoço nas barraquinhas de beira-mar, ou piquenique se nada houver por perto.
Desta feita, fomos até à Barra do Dande, praia magnífica, areias claras a perder de vista, ninguém, coqueiros e palmeiras a bordejar, pequeno resort já instalado -os bungallows, casinhas de construção tradicional, colmadas -, restaurante e bar sobre a praia, serviço simpátido e afável, o sorriso fácil e espontâneo, " bom dia sím, m'nha senhôra, obrigaado: por favô, podi entrá, podi vê; teja à vontade; com licênça, obrigaado"; é assim!
Seguimos viagem para norte, direcção Ambriz, e por picadas e veredas arribámos a outra praia, enorme, selvagem, virgem, nem há pegadas de gente.... Há coqueiros, palmeiras, areia fina, conchas e búzios, mar sereno, água a convidar ao banho.... Duas horas e seis quilómetros , ou mais, depois estávamos de volta aos carros, a piquenicar. E já por lá andava alguém a preparar a temporada, mais um aldeamento turístico a nascer e, " quando vier o bom tempo, dentro de um mês, já temos onde se possa comer e ficar", assegurava o dono do empreendimento. Pede-nos que passemos palavra, e dá-nos o número de contacto para lhe ligarmos quando ali quisermos voltar. E espera que voltemos.
O sítio é lindo, no meio do nada, por perto só alguma pequena aldeia, que nem se avista; só avistámos gentes, mulheres e crianças junto dum riacho, que nos saúdam à passagem, e os putos desatam a bater palmas.... só visto e vivido!!!

No regresso, outro percurso, outras picadas e estradas asfaltadinhas de fresco , aldeias e gentes perdidas na paisagem imensa, já a verdejar, "cus de judas" onde o imbondeiro, árvore majestosa, é rei, múcuas-pingentes, ainda sem folhas, agora parecem árvores de natal , troncos e ramos esbranquiçados - múcua é o fruto do imbomdeiro, oblongo e enorme, pendurado em lianas que saem dos ramos.

Sem comentários:

Enviar um comentário