quarta-feira, 22 de abril de 2009

Barra do Kuanza

De novo na foz do Kuanza…

O caminho, melhor dizendo, a estrada, habitual para a a Barra do Kuanza desagua no lado oposto do rio. Desta vez chegámos lá do lado da margem esquerda, que o mesmo é dizer que houve aventura de picada. Mais difícil ainda porque à ida não se topou logo a dita e então foi-se de zorro sapal adentro a desenhar picada numa patinagem ás quatro rodas, repuxos de lama a cobrir o jipe, e isso era o menos, que a sensação de que se ia atolar numa das guinadas, se não tombar, foi assim a eriçar a pele e a cortar a respiração. Mas valeu a pena, passado o sufoco, claro. Já perto da foz o terreno fez-se duro, já o palmar bordejava o rio que se enroscava azul, calmeirão e curvilíneo até se lançar de encontro ao mar em rumorejos e espalhafatos de ondas na ponta da restinga, largo banco de areia a separar o atlântico esverdeado e revolto das águas azul- cálidas e remançosas do rio.


O jipe atracou no topo do morro de areia e a caminhada, cerca de 5km, foi pela “marginal”, rio à ida e mar à vinda, porque apesar da manhã não ir adiantada as areias escaldavam os pés; o sol aqui não é de cerimónias, ergue-se cedo, pranta-se escancarado, e pronto.


Fora d’água a temperatura rondaria os 30 graus e dentro dela pouco abaixo andaria, embora refrescasse, apesar de tudo. De modo que o passeio foi temperado com banhos e braçadas, os peixes aos pinotes logo ali, quando não a roçagarem-nos, descarados, e ai que susto, o rio logo fundo, e o fundo à vista, o céu azulão cortado pelo vôo altaneiro da águia pesqueira, mergulho certeiro e logo o peixe no bico, a passarada mais miúda em revoadas irrequietas e logo em corridinhas na espuma da água, e o besouro aferroado em zunidos de ameaça, a pique sobre os intrusos, e vai mergulho, e foge e espaneja que a picada, a do bicho, é de respeito. Já pela borda-mar, volutas de espuma branca encarrapitadas nas ondas que se vêm estatelar na areia dourada, onde conchas e búzios de toda a forma e feitio, e peixes enormes inchados em carapaças de escamas dão de comer aos caranguejos.


Para retempêro de coragem e energia, antes do regresso, mais um derradeiro banho no rio, após correria de pés no ar areia fora, de través na restinga, que foi mais um ficar de molho, que nem hipopótamo, a demolhar o corpo e a vontade de dali sair.


Quis o acaso que na volta nos tivesse saído ao caminho a picada, a verdadeira, dura e enxuta, portanto só solavancos, sem patinagem. A estrada até Luanda corre com mar à vista, lá mais em baixo, esticado em rebrilhos de diamante, assim como um imenso manto de crépon azul-lápis-lasúli pincelado de verde-esmeralda. Do outro lado passa a savana, a reverdejar, onde embondeiros, de troncos a morenar e a soltar as jubas verdes, anunciam enfeites, as múcuas ainda só pingentinhos.


Paragem no mercado de artesanato de Benfica, a cerca de 20 km da cidade capital. Desfeito o recato e o des-à-vontade que inspira visto de fora, a frescura que se experimenta por debaixo dos colmos alinhados em toldos de improvisadas tendas em fileirinhas estreitas e sombreadas depressa dispõe à fala com os mestres, assim se tratam os artesãos.Aqui se vendem artefactos africanos sobretudo, embora entre os vendedores, não mestres, haja quem ofereça ásias e chinesices, com o devido respeito porque de artesanato se trata. Mas deambular pelos carreiros de terra por entre chamados e ofertas de desconto, e os olhos a desvairarem na multitude de peças, muitas delas inesperadamente indígenas e exóticas, mas sem fitar demais porque isso obriga logo a fazer oferta, o preço deve ser regateado, faz parte, é uma experiência africanizante que se quer repetir, mau grado a sensação de se entrar num mundo, pequeno mundo, completamente à parte. Fiquei cliente, (in)segura.


Luanda, 17 Dez. 2008

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