quarta-feira, 22 de abril de 2009

Lubango, capital da província da Huíla

Desta vez a viagem foi até ao Lubango, cerca de 1000 km a sul de Luanda. Começou às 5h00 de 6ª feira e acabou às 22h00, recheada de peripécias mais irritantes do que divertidas, a começar pela avaria do jipe adiante de Benguela, numa estrada larga e asfaltada de fresco, àquela hora, meio da manhã, com pouco trânsito, e como não havia rede de telemóvel, o recurso foi pedir ajuda a quem passava, e logo uma carrinha com dois angolanos se aprontaram para ajudar, do carro saía fumo e como não tínhamos água eles foram de pronto buscar uma garrafa que levavam para a viagem; tentaram improvisar conserto mas como a coisa era séria sugeriram retorno a Benguela e ajudaram-nos a pedir boleia que foi dada por uma senhora, mais as crianças no carrito apertado, que nos foi levar à porta do escritório da empresa apesar do seu destino ser algures à entrada da cidade. Tudo com mta simpatia, sorrisos e angolana cordialidade. De novo em direcção ao carro imobilizado, mecânico e ferramentas à mistura, constatou-se que era caso p/ reboque e nós tb acabámos rebocados por um funcionário, expatriado, até ao estaleiro mais próximo onde nos seria entregue outra viatura, e pelo caminho o homem foi debitando, entre “buocês”, gajos e pretos, palpites sobre tudo e todos, um maioral. No final da corrida esperava-nos uma carrinha imunda, que de pronto foi mandada enxaguar só p’ro disfarce, aviaram-nos, com prontidão e por iniciativa própria, umas sandes no refeitório, e desejaram-nos umas “boas”(??) seis horas de viagem até ao Lubango, por veredas e (des)picadas, sem rede de telemóvel, através de matas e morros e gente nenhures, apenas alguns kimbos, aldeias impensáveis, no meio do mato, com o sol a fugir perigosamente por detrás das serras, e logo noite. Não vale a pena gastar muita tinta com esta descrição mas o pedacito de asfalto, e luzes, e rede que precederam a entrada na cidade foi maravilha e maravilhosa a vista da praça central, ajardinada, iluminada e enquadrada por belos e conservados edifícios, um espanto que nem Luanda cidade capital, como cá se diz, mais o alívio de confirmar ainda confirmado o quarto no hotel, a preceito, desenfarruscar num banho quente e cair na cama antes de cair no chão tais as tonturas e o cansaço. Resumindo, se a tensão, não o susto.., se pudesse partir em fatias grossas e comer tínhamos chegado ao fim da sessão de estrebuchos e sacões empanturrados e mudos, de tanto desusar a fala, só olhos postos na picada, aqui e agora desviada por causa das obras, e a poeira, e o nevoeiro (!!??), e a trovoada a seguir-nos de longe em repentes de iluminação. Aventura p’ra contar e não p’ra repetir.


O Lubango, já se disse, surpreende pelo aprumo de casas e jardins, muito floridos e com relva, pela pacatez de tráfegos e gentes, e está erguida numa terra, a Huíla, de serras e planalto e belezas sem par. Dia e meio de permanência deu para cheirar, e pasmar!
A fenda da Tundavala, impressionante greta na montanha que se debruça sobre um extenso vale debruado de cordilheiras, serra da Chela, serra da Leba, é um santuário de artes, pintura e escultura, naturais; nem sei se impressiona mais a forma caprichosa e rebuscada das pedras sobrepostas ou se a cor delas. As esculturas são imponentes, a desafiar a imaginação e a lei da gravidade, e em pano de fundo a montanha rasga-se em tons de azul, antracite, ocres e verdes espantosos, as rochas pintalgadas em jeitos de pintura, motivos geométricos, escaqueiradas e espalhadas pelo chão que é de areia fina e branca, impressionante, parece açúcar, com requebros de cetim levemente nacarado. Recolhi algumas pedras de cores e formas ornamentais, apenas algumas cores. E não fora o tino de evitar permanecer demasiado tempo num local isolado, e o tempo tinha parado sem vontade de regresso, só o silêncio do ruído do marulhar do vento, do pipiar dos pássaros, do perpassar de um ar rarefeito e branco, quente e roçagante como só o bafo de áfrica.


As curvas da serra da Leba, a desafiar as leis do equilíbrio e da gravidade, estiram-se a perder de vista, tira de asfalto a emitar serpentina de carnaval, vigiadas por panos de falésia que parecem tapeçarias, as rochas coloridas ocres, antracite e verdes ton-sur-ton “ pintadas “ por mão de artista. Mais uma sessão de deslumbrada pasmaceira, desta vez em sossego porque havia gente por perto, e um custoso despegar.


De novo 400km de picada, e quase sete horas depois Benguela, só que desta vez de dia, o mesmo cansaço de criar bicho conquanto o inesperado da paisagem: sanzalas de cubatas de pau-a-pique, redondas e com tampinha de colmo, espalhadas entre palmeiras nos terreiros muito varridos - a cultura do lixo a montes é efeito de deslocados de guerra, só pode ser… -, crianças descalças e roupas espantalhadas a gritar, e a dizer adeus, à passagem do carro, homens e mulheres, com panos coloridos e toucados de domingo, estrada, picada, fora, e o aceno, e o sorriso de gente que nada tem, ou assim nos parece, que eles podem ter outra ideia, que vive no meio do nada e parece ir de nada p’ra nenhures, e aqui e agora o negóciozito de beira de estrada, estaminés improvisados a chamar a atenção dos viajantes. Na picada – a estrada Benguela-Lubango está em (re)construção - circulam frequentes e desvairados camiões das obras, a levantar cortinas de poeira, e uns camiõezitos de carga que fariam as delícias de qualquer museu de transportes, muito ronceiros e a segurar umas grandes trouxas a esbordar, as cargas , que fazem lembrar gelados de cone a começar a derreter. Só visto.


Os bosques de acácias que anunciam a chegada a Benguela, a cidade das acácias rubras, mesclados de verde, ocre e magenta , pintam as encostas das serras já com os cocurutos a encarapinhar de vegetação, que a época das chuvas está a começar e já se nota na cobertura dos montes, assim como já estão a aparecer os rios que desaparecem no cacimbo.
Já em Benguela, numa bela esplanada à beira mar, praia e passeio marítimo a fervilhar de gente, arrotam uns descoloridos expatriados, barrigas e bigodes farfalhudos, senhores de boçalidades que só o portugués das berças consegue, estiraçados nas cadeiras a ver passar os pretos, e as pretas, que dos pretos que os servem à mesa devem entender o trato e a dignidade do porte como coisa de escravo submisso; felizmente estavam bem afastados, foi só vê-los, não ouvi-los. Mas entretanto tivemos direito a ouvir uma senhora, na casa dos 30-40, a idade mais frequente dos portugueses que cá trabalham, quadro de empresa portuguesa, a dar conta da ida frustrada, e frustrante, à praia da Caotinha, lugar de rara beleza no meio do capim, e da picada que atravessa uma pequena aldeia - sanzala de cubatas - de talvez pescadores, porque encontrou o sítio cheio de gente, “ eles resolveram ir todos p’ra praia, logo aquela”, montaram merenda e bailarico, e nem se podia entrar na água “porque se ia apanhar com as focas em cima”; as focas são os pretos, claro, e está bom de ver que a pretalhada não tem nada que se ir, a pé ou de excursão ( de candongueiro) para as praias que os jipões dos branquelas elegem como destino de fim de semana. Está certo! E ainda acrescentou uma história de pasmar a respeito de 3 gatos que tinha ali na zona, que visitava volta e meia, e eles quase que amuavam, todos com nome de gente, e a gente meio varada a perguntar “e como sobrevivem esses gatos”, e a resposta despachada “ eles estão lá na aldeia, vão comendo da comida lá deles e durante o dia tb comem umas vagens das árvores, acho que alfarroba, ….”, insiste-se no mal alimentado dos tais gatos, “ que sim, que estariam mal alimentados, mas ..”, mas faz parte, acrescento eu, afinal são pretinhos. E gente, meninos, percebemos no fim da conversa. Incrível! Começo a ter de mudar os meus conceitos de desenvolvimento….
Os 600 km de Benguela a Luanda, estrada fora, passaram ao tom e ao som de kimbos, sanzalas, gentes e feirinhas de beira d’estrada, e dos mtos rebanhos e manadas que se pavoneiam pelos campos, matas e capins, e que têm especial predilecção pelo asfalto: é vê-los a atravessar nas calmas, as vacas pachorentíssimas, quando não especados, a fazer de estátua bem no meio da estrada! Tenho para mim que o asfalto há-de criar confusão nos cascos….
Luanda, 29 set. 2008

Desta vez a viagem foi até ao Lubango, cerca de 1000 km a sul de Luanda. Começou às 5h00 de 6ª feira e acabou às 22h00, recheada de peripécias mais irritantes do que divertidas, a começar pela avaria do jipe adiante de Benguela, numa estrada larga e asfaltada de fresco, àquela hora, meio da manhã, com pouco trânsito, e como não havia rede de telemóvel, o recurso foi pedir ajuda a quem passava, e logo uma carrinha com 2 angolanos se aprontaram para ajudar, do carro saía fumo e como não tínhamos água eles foram de pronto buscar uma garrafa que levavam p/ a viagem; tentaram improvisar conserto mas como a coisa era séria sugeriram retorno a Benguela e ajudaram-nos a pedir boleia que foi dada por 1 senhora, + as crianças no carrito apertado, que nos foi levar à porta do escritório da empresa apesar do seu destino ser algures à entrada da cidade. Tudo com mta simpatia, sorrisos e angolana cordialidade. De novo em direcção ao carro imobilizado, mecânico e ferramentas à mistura, constatou-se que era caso p/ reboque e nós tb acabámos rebocados por um funcionário, expatriado, até ao estaleiro mais próximo onde nos seria entregue outra viatura, e pelo caminho o homem foi debitando, entre “buocês”, gajos e pretos, palpites sobre tudo e todos, um maioral. No final da corrida esperava-nos uma carrinha imunda, que de pronto foi mandada enxaguar só p’ro disfarce, aviaram-nos, com prontidão e por iniciativa própria, umas sandes no refeitório, e desejaram-nos umas “boas”(??) seis horas de viagem até ao Lubango, por veredas e (des)picadas, sem rede de tlmv, através de matas e morros e gente nenhures, apenas alguns kimbos, aldeias impensáveis, no meio do mato, com o sol a fugir perigosa/ por detrás das serras, e logo noite. Não vale a pena gastar mta tinta c/ esta descrição mas o pedacito de asfalto, e luzes, e rede que precederam a entrada na cidade foi maravilha e maravilhosa a vista da praça central, ajardinada, iluminada e enquadrada por belos e conservados edifícios, um espanto que nem Luanda cidade capital, como cá se diz, mais o alívio de confirmar ainda confirmado o quarto no hotel, a preceito, desenfarruscar num banho quente e cair na cama antes de cair no chão tais as tonturas e o cansaço. Resumindo, se a tensão, não o susto.., se pudesse partir em fatias grossas e comer tínhamos chegado ao fim da sessão de estrebuchos e sacões empanturrados e mudos, de tanto desusar a fala, só olhos postos na picada, aqui e agora desviada por causa das obras, e a poeira, e o nevoeiro (!!??), e a trovoada a seguir-nos de longe em repentes de iluminação. Aventura p’ra contar e não p’ra repetir.
O Lubango, já se disse, surpreende pelo aprumo de casas e jardins, mto floridos e com relva, pela pacatez de tráfegos e gentes, e está erguida numa terra, a Huíla, de serras e planalto e belezas sem par. Dia e meio de permanência deu p/ cheirar, e pasmar!
A fenda da Tundavala, impressionante greta na montanha que se debruça sobre um extenso vale debruado de cordilheiras, serra da Chela, serra da Leba, é um santuário de artes, pintura e escultura, naturais; nem sei se impressiona mais a forma caprichosa e rebuscada das pedras sobrepostas ou se a cor delas. As esculturas são imponentes, a desafiar a imaginação e a lei da gravidade, e em pano de fundo a montanha rasga-se em tons de azul, antracite, ocres e verdes espantosos, as rochas pintalgadas erm jeitos de pintura, motivos geométricos, escaqueiradas e espalhadas pelo chão que é de areia fina e branca, impressionante, parece açúcar, com requebros de cetim leve/ nacarado. Recolhi algumas pedras de cores e formas ornamentais, apenas algumas cores. E não fora o tino de evitar permanecer demasiado tempo num local isolado, e o tempo tinha parado sem vontade de regresso, só o silêncio do ruído do marulhar do vento, do pipiar dos pássaros, do perpassar de um ar rarefeito e branco, quente e roçagante como só o bafo de áfrica.
As curvas da serra da Leba, a desafiar as leis do equilíbrio e da gravidade, estiram-se a perder de vista, tira de asfalto a emitar serpentina de carnaval, vigiadas por panos de falésia que parecem tapeçarias, as rochas coloridas ocres, antracite e verdes ton-sur-ton “ pintadas “ por mão de artista. Mais uma sessão de deslumbrada pasmaceira, desta vez em sossego porque havia gente por perto, e um custoso despegar.
De novo 400km de picada, e quase sete horas depois Benguela, só que desta vez de dia, o mesmo cansaço de criar bicho conquanto o inesperado da paisagem: sanzalas de cubatas de pau-a-pique, redondas e com tampinha de colmo, espalhadas entre palmeiras nos terreiros mto varridos - a cultura do lixo a montes é efeito de deslocados de guerra, só pode ser… -, crianças descalças e roupas espantalhadas a gritar, e a dizer adeus, à passagem do carro, homens e mulheres, com panos coloridos e toucados de domingo, estrada, picada, fora, e o aceno, e o sorriso de gente que nada tem, ou assim nos parece, que eles podem ter outra ideia, que vive no meio do nada e parece ir de nada p’ra nenhures, e aqui e agora o negóciozito de beira de estrada, estaminés improvisados a chamar a atençaõ dos viajantes. Na picada – a estrada Benguela-Lubango está em (re)construção - circulam frequentes e desvairados camiões das obras, a levantar cortinas de poeira, e uns c amiõezitos de carga que fariam as delícias de qualquer museu de transportes, mto ronceiros e a segurar umas grandes trouxas a esbordar, as cargas , que fazem lembrar gelados de cone a começar a derreter. Só visto.
Os bosques de acácias que anunciam a chegada a Benguela, a cidade , outrora, das acácias rubras, mesclados de verde, ocre e magenta , pintam as encostas das serras já com os cocurutos a encarapinhar de vegetação, que a época das chuvas está a começar e já se nota na cobertura dos montes, assim como já estão a aparecer os rios que desaparecem no cacimbo.
Já em Benguela, numa bela esplanada à beira mar, praia e passeio marítmo a fervilhar de gente, arrotam uns descoloridos expatriados, barrigas e bigodes farfalhudos, senhores de boçalidades que só o portugués das berças consegue, estiraçados nas cadeiras a ver passar os pretos, e as pretas, que dos pretos que os servem à mesa devem entender o trato e a dignidade do porte como coisa de escravo submisso; feliz/ estavam bem afastados, foi só vê-los, não ouvi-los. Mas entretanto tivemos direito a ouvir uma senhora, na casa dos 30-40, a idade + frequente dos portugueses que cá trabalham, quadro de empresa portuguesa, a dar conta da ida frustrada, e frustrante, à praia da Caotinha, lugar de rara beleza no meio do capim, e da picada que atravessa uma pequena aldeia - sanzala de cubatas - de talvez pescadores, porque encontrou o sítio cheio de gente, “ eles resolveram ir todos p’ra praia, logo aquela”, montaram merenda e bailarico, e nem se podia entrar na água “porque se ia apanhar com as focas em cima”; as focas são os pretos, claro, e está bom de ver que a pretalhada não tem nada que se ir, a pé ou de excursão ( de candongueiro) para as praias que os jipões dos branquelas elegem como destino de fim de semana. Está certo! E ainda acrescentou uma história de pasmar a respeito de 3 gatos que tinha ali na zona, que visitava volta e meia, e eles quase que amuavam, todos com nome de gente, e a gente meio varada a perguntar “e como sobrevivem esses gatos”, e a resposta despachada “ eles estão lá na aldeia, vão comendo da comida lá deles e durante o dia tb comem umas vagens das árvores, acho que alfarroba, ….”, insiste-se no mal alimentado dos tais gatos, “ que sim, que estariam mal alimentados, mas ..”, mas faz parte, acrescento eu, afinal são pretinhos. E gente, meninos, percebemos no fim da conversa. Incrível! Começo a ter de mudar os meus conceitos de desenvolvimento….
Os 600 km de Benguela a Luanda, estrada fora, passaram ao tom e ao som de kimbos, sanzalas, gentes e feirinhas de beira d’estrada, e dos mtos rebanhos e manadas que se pavoneiam pelos campos, matas e capins, e que têm especial predilecção pelo asfalto: é vê-los a atravessar nas calmas, as vacas pachorentíssimas, quando não especados, a fazer de estátua bem no meio da estrada! Tenho para mim que o asfalto há-de criar confusão nos cascos….
Luanda, 29 set. 2008

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