quarta-feira, 22 de abril de 2009

Pela praia de Sangano

De como ir a banhos tem que se lhe diga foi o que aprendi recentemente, não obstante ir até à praia seja programa mais do que frequente. Desta feita a ida foi a Sangano, uma das tais praias dos ricos, que pelos vistos , melhor dizendo, lido e ouvido, por aqui a divisão de classes traz à tiracolo quinquilharias várias, e dos carros e cilindradas, e dos condomínios mais ou menos fechados, e dos poisos jetessete de ocasião já me tinha dado conta, mas da hierarquia social das praias ainda não. Agora que sei vou ficar muito atenta, e enriquecida, presumo. É bom aprender coisas novas. Ou se calhar não tão novas assim, que dos tiques de burguesias balofas e entediadas, enfadonhas até dizer chega, tenho eu dose. Nem da lusa pátria me olvidei, nem podia mesmo que, abrenúncio, o quisesse, que os patrícios me vão mantendo espertinha, nem estava à espera de vir aqui encontrar o negro charme discreto da burguesia ou inspiração buñueliana quejanda.
Voltando aos pobres e ricos, os primeiros ficam-se por areais mais à mão, fazem-se à estrada mas quedam-se por alturas do museu da escravatura, a não mais de 50 km, a sul, da cidade capital, num pequeno morro que se ergue junto ao mar, na vasta planície de areias e sapal. Os outros dão gás e ar condicionado e vão aldear até Sangano, Cabo Ledo ou mais adiante, cabanas, restaurantes e afins, sempre coisa para mais de hora e meia de viagem, estrada desimpedida e Luanda cento e tal quilómetros atrás. O sufoco da miscigenação classista haverá de acontecer no regresso, e disso tomei primeira nota da leitura de uma expressiva reportagem estampada num jornal, ao entardecer e já entardecidas as gentes e as tolerâncias, pois ele é filas de trânsito infernal, atropelo e desrespeito de tudo quanto é regra, alcoois em desatinos suicidas de condutores mal encartados, sobremaneira jovens e alienados pelos excessos de fim-de-semana-sem-rédeas-ao-sol. Estes são os das praias mais à mão. E diz-se, e diz o jornal, que das outras mais longinhas também se escapam alguns cavaleiros do asfalto a acelerar arrogâncias de classe (nova)rica. Entrementes penam todos quantos se permitiram, mais acima ou mais abaixo, ir espairecer à beira-mar.
Se a paisagem até Sangano, mesmo se já muito vista, nunca deixa de surpreender, a descida para a praia, picada fora, falésia adentro, vai escorregando, travões às quatro rodas, pelo ocre rochoso da ravina, as araucárias enfileiradas a rematar a borda, os tufos de aloé a entremear de verde , dependurados, o mar a crescer em azuis de ondinhas de brincadeira, e lá em baixo a areia, no começo ainda terra e arvorezitas a sombrear os estacionamentos, e logo o areal desafogado, a perder de vista numa sementeira de conchas e búzios . As costumeiras caminhadas à borda-d’água, antes que o sol desamue e se descubra, o mar a cocegar provocações e mergulhos vigiado pelos torneados das ravinas, avermelhadas e altaneiras, encristadas de verdes ralos, aqui e ali rasgadas de cima abaixo por talhos que não chegam a ser caminhos, tal a altura e o declive. Gente, que não os veraneantes e sucedâneos, raramente se avista, embora a raridade de uns negritos recortados no topo, e logo como que por encanto prantados na areia, não deixe de acrescentar o exotismo do sítio.
Tirando os aldeamentos turísicos e suas acomodações, a aldeia de pescadores tem lugar preponderante na praia de Sangano. As cubatas colmadas de pau-a-pique, escuras antracite, alinham-se num curioso axadrezado de estendais de roupa e de seca de peixe, estes feitos de troncos em bancada, cobertos de peixes escalados arrumadinhos por tamanhos e feitios, no chão de terra batida. Os barcos de madeira, ora postos na areia, ora saídos para a faina, e em chegados o peixe vende-se logo ali e não chega para as encomendas. Não importa se é sábado ou domingo, na aldeia não se topam molezas de fim de semana, mesmo que as haja, e haverá. Os homens e as mulheres aparecem ocupados nas suas lides, elas na garridice dos panos e dos turbantes. A catraiada, putos semi-nus, espalha-se em cachos de algazarra e cabriolices na areia.
À medida que a manhã avança cresce o número de pessoas nas toalhas coloridas e na água. Nas esplanadas , terra batida sombreada por toldos ajaezados consoante o aparente improviso da decoração, pois percebe-se a intenção de parecer que tudo é natureza, as mesas e bancos corridos de madeira vão ganhando movimento e em breve quem não se precaveu com a necessária reserva corre o risco de ter de ir procurar almoço a outra parte. Da excelência dos peixes e mariscos que por aqui se comem não há muito a acrescentar, a não ser que desfiasse os petiscos e os sabores de fazer água na boca, o serviço, negro, é sempre acolhedor e simpático, duma lentidão ronronante e peripécias engraçadas, o linguado pedido chega à mesa travestido de lagosta, há que dizer “foi engano, não é para aqui”, e esperar mais um bocadito, debicando miudezas crustáceas , que a lagosta lá irá aterrar no prato de quem a pediu e o linguado mergulhar no nosso, e não morre ninguém. Faz parte do colorido local.
Como também vai sendo regra o afluxo de “tugas”, os portugueses, numa praia onde o que mais se vê são “pulas”, os brancos. Donde, para além da divisão de classes parece haver diferença de cores…. Será?!! Ora, há coisas muito mais importantes para nos ocupar as mentes.
Precaução ingente é metermo-nos à estrada antes que se faça tarde e o desatino campeie.

Luanda, 20 Janeiro 2009

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